P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

21.2.06

Perspectivas sobre a vida em cativeiro em contextos urbanos: a conservação biológica de primatas não humanos no ZOO de Lisboa

«Imagine que uma primatóloga extraterrestre vinha à Terra para fazer um estudo de campo sobre a espécie humana. Durante quanto tempo teria ela de seguir vários de nós para poder fazer no seu planeta um relato completo e seguro do comportamento social humano? Incapaz de entrevistar os seus primitivos sujeitos e de trabalhar sozinha num local estranho, teria de escolher um grupo pequeno de pessoas que representassem todas as categorias de idade e sexo e depois segui-las de perto, observando todos os seus movimentos a fim de descobrir as actividades íntimas da dinâmica social humana. Esta tarefa levaria décadas. Mas pode fazer-se, porque nas sociedades tradicionais os humanos vivem quase sempre em pequenos grupos que incluem homens, mulheres e crianças, pelo que a nossa exoprimatóloga podia recolher dados acerca da vida, relativos a todas as idades e sexos simultaneamente. Imagine agora o dilema com que esta cientista se depararia se os humanos vivessem sobretudo solitariamente. O tempo que ela teria de investir no estudo do comportamento social seria muito maior, teria de observar indivíduos solitários dias sem fim, na esperança de ver o que faziam durante as suas breves reuniões sociais.»

«But perhaps most significant of all is the human attitude to touch. It is this that appears so acutely inchimp. Humans, because of their lack of a protective coat, have not evolved the complex rituals of grooming and touch that so define chimpanzee social organization and gesticulation. Imagine not being groomed! It is almost unthinkable to a chimpanzee that a significant portion of the day should not be given over to this most cohering and sensual of activities. Undoubtedly, it is this lack of grooming that renders human sexuality so bizarre to us. (…) One has only to go to the London Zoo and observe the humans in their caged enclosures, sitting, not touching one another, their oddly white-pigmented eyes staring out at their chimpanzee visitors with what can only be described as a mixture of sadness and entreaty.(…)»
H’hooooo, W.W.S.
Back in dirty old London, 1997.
Great Apes, Will Self.

O Meio-Ambiente

É sabido que em condições normais, nos seus habitats naturais, os animais à solta não se automutilam, não se masturbam, não atacam os filhos, não desenvolvem úlceras do estômago, não se tornam feiticistas, não sofrem de obesidade, não formam acasalamentos homossexuais, nem cometem assassínios. Escusado será dizer que tudo isto se passa entre os habitantes humanos da cidade. Revelará isto que existem diferenças básicas entre a espécie humana e os outros animais? Assim parece, à primeira vista. Mas é engano. Os outros animais comportam-se da mesma forma, em certas circunstâncias, nomeadamente quando mantidos em condições antinaturais de cativeiro. O animal enjaulado num recinto zoológico manifesta todas estas anomalias, que nós conhecemos tão bem, de as vermos nos nossos companheiros humanos. Torna-se assim evidente que a cidade não é uma selva de betão, mas um recinto antropológico.
Os grandes símios, especialmente mostram uma considerável variedade de experiências sexuais quando vivem em condições de cativeiro, incluindo um certo número de posições compilatórias que não se observam nos grandes símios que vivem à solta. Alguns macacos machos tornam-se masturbadores obssessivos. Os ungulados machos encerrados com fêmeas, mas sem terem mais nada que fazer, podem importuná-las até à morte, maltratando-as e perseguindo-as para lá de todos os limites naturais. Sabe-se que os símios se podem comportar da mesma forma. Uma vez forneceu-se uma fêmea a um orangotango habituado a viver numa jaula vazia. O bicho agarrou-a com tanta força que ela perdeu temporariamente o uso dos braços e teve de ser retirada da jaula.
Quando os macacos e símios são criados fora do contacto com outros, têm muitas vezes impossibilidade de se ajustar em adultos à vida social, quando introduzidos num grupo de animais de mesma espécie. Tal como os humanos mentalmente perturbados que vivem no seu próprio mundo, podem encolher-se a um canto e continuar a entregar-se a práticas de sexo ocupacional, embora haja à volta companheiros receptivos. Isto é muito comum entre chimpanzés de recintos zoológicos, que crescem muitas vezes isoladamente, como animais de estimação, e só quando chegam a adultos são juntos a outros chimpanzés. Um casal destes bichos, ambos com infâncias anormais, foi colocado numa jaula sem outros companheiros, como se fossem casados. Entregavam-se a grande actividade sexual, mas cada um por seu lado, sem se dirigir ao outro. Embora partilhassem a jaula, eram ambos mentalmente isolados. Sentados de costas um para o outro, ambos se masturbavam regularmente, de maneiras muito variadas. A fêmea usava pequenos troncos ou pedaços de madeira que arrancava das paredes e introduzia na vagina, ao mesmo tempo que o macho estimulava o pénis, verdadeiramente indiferente à sua presença.
Parece que o sexo comercial é raro nas outras espécies, mesmo nos recintos zoológicos, mas tem-se observado um tipo de prostituição entre certos primatas não humanos. Por vezes, as macacas em cativeiro oferecem-se sexualmente a um macho, para obterem bocados de comida espalhados pelo chão; neste caso, as acções sexuais distraem o macho do negócio de competir na busca de comida. Muitas macacas possuem manchas vermelho-vivas de pele nua, inchada, na região traseira. Estas são ostensivamente exibidas ao macho durante a acção sexual de apresentação do traseiro.
Descobriu-se recentemente que os machos de certas espécies evoluíram arremedos destas manchas vermelhas nos respectivos traseiros, possivelmente para facilitar exibições submissas de sexo de situação em relação a indivíduos mais dominantes. Nas fêmeas, as manchas vermelhas do traseiro servem um duplo fim, mas nos machos, têm uma função exclusivamente relacionada com sexo de situação.
Em numerosas espécies, os machos possuem pénis vermelho-vivos, muitas vezes rodeados duma mancha de pele azul-viva cobrindo a região escrotal. Isto torna os órgãos genitais do macho tão ostensivos quanto possível e é frequente vê-los sentados, com as pernas abertas, exibindo ao máximo aquelas cores berrantes. Podem, desta maneira, exteriorizar a sua situação dominante, sem sequer se mexerem. Nalgumas espécies de macacos, os machos sentam-se assim na periferia do grupo e, se outro grupo se aproxima, o pénis vermelho entra em erecção completa e pode ser elevado repetidamente, tocando o estômago do possuidor. No antigo Egipto, o mandril sagrado era considerado como a encarnação da sexualidade masculina. E era não só retratado na sua posição de ostentação de sexo de situação nas pinturas e gravuras egípcias, mas igualmente embalsamado e enterrado naquela postura; o processo de embalsamento durava setenta dias e a cerimónia fúnebre dois dias.
Tal como nalgumas espécies os machos imitaram as exibições submissas das fêmeas, evoluindo as suas próprias manchas vermelhas no traseiro, as fêmeas também imitaram, em certos casos, as exibições dominantes dos machos. Algumas macacas sul-americanas evoluíram clítoris alongados, que se transformaram praticamente em pseudo pénis. Em certas espécies, assemelha-se tanto ao verdadeiro pénis do macho que é difícil distinguir os sexos. Nalgumas espécies de macacos, as fêmeas evoluíram um pseudo escroto, ao lado de um pseudo pénis. No caso do pequeno macaco esquilo, a erecção do pénis tornou-se o sinal de dominação mais importante do repertório do bicho. Vai mais longe que deixar-se ficar sentado de pernas abertas. Quando lhe dá para ameaçar, um macho dominante desta espécie chega-se ao pé dum inferior e atira-lhe intrometidamente à cara o pénis erecto.
Nos homens, como nos macacos, as atitudes sexuais, submissa na fêmea e dominante no macho, passaram a representar submissão e dominação em contextos não sexuais. Veja-se a antiga atitude feminina de apresentar o traseiro ao macho como gesto de subordinação. As crianças ainda são muitas vezes forçadas a curvarem-se para serem castigadas nessa posição.
O Caso Português
Terminou a 1 de Abril o prazo para que os parques zoológicos portugueses se adaptassem às novas regras de uma directiva comunitária (1999/22/CE), transposta por Portugal em 2002. Mas das três dezenas de parques que há dois anos foram identificados a funcionar no país, apenas 23 pediram o licenciamento de acordo com as novas regras, que exigem um enriquecimento ambiental dos alojamentos dos animais e maiores cuidados com a sua alimentação, saúde e bem-estar. Sobrelotação e espaços demasiado pequenos para os animais, insuficiência e falta de formação dos animais são as falhas que mais têm sido detectadas nas vistorias feitas ao longo do primeiro mês.
A Direcção Geral de Veterinária (DGV), organismo que tem conduzido o processo em cooperação com o Instituto de Conservação da Natureza (ICN), escusa-se por ora a revelar os nomes dos parques que já pediram o licenciamento, e daqueles que poderão vir a ser encerrados por não cumprir as normas. É que o processo de vistorias, após uma primeira ronda em 2002, ainda está a decorrer, pelo menos até Junho. “É um processo que vai demorar muito tempo”, admite fonte da Divisão de Bem-Estar Animal da DGV. A “falta de meios e de pessoal” é um problema para este organismo, que tem a competência de controlar o funcionamento de dezenas de parques, cujo número aumenta todos os anos.
As “condições pedagógicas pobres” e alguma “falta de compreensão do que é a filosofia de um parque zoológico” são apontadas pela DGV como as falhas mais comuns. “Os zoológicos têm de ter objectivos mais ambiciosos do que a simples exposição de animais e desenvolver um projecto de conservação e investigação científica, tal como é exigido por esta directiva”, frisa João Loureiro, da Quercus. Para acrescentar que “estes deviam ter um papel mais importante na conservação das espécies autóctones, que geralmente têm menos visibilidade”. Irónico é o facto de todas as entidades oficiais, parques e associações, incluindo as associações de defesa dos animais, estarem cientes de que no caso de um parque ser encerrado ou de alguns espécimes serem apreendidos, não há em Portugal qualquer centro onde estes possam ser acolhidos.
Questionada pelo QA, a DGV reconhece esta dificuldade e adianta que “no caso de haver apreensões, o proprietário do zoo pode ser considerado fiel depositário dos animais”. A solução de recurso é impedir as visitas ao parque, uma vez que não há para onde levar os animais, ou encerrar partes do parque. Outras hipóteses serão, considera o director-geral Carlos Agrela Pinheiro, “o retorno ao meio natural sempre que viável, a integração em centros de recuperação ou santuários especializados e a integração em parques nacionais zoológicos ou estrangeiros licenciados”. A DGV admite mesmo recorrer à eutanásia, se se verificar que não há alternativa para os animais em causa.
“Não existem centros de recolha oficiais para espécimes apreendidos. O recurso à eutanásia está previsto na legislação nacional e internacional. Será de prever que, a efectuar-se, será a última opção e nunca para espécimes de espécies protegidas e com problemas de conservação”, afirma por seu turno o ICN, numa resposta escrita enviada ao QA.
Uma solução que só poderá ser mesmo o último dos últimos recursos, para Leonor Galhardo, da Liga de Protecção e Defesa dos Animais e representante do Eurogroup for Animal Welfare em Portugal. “Não concordo que se recorra à eutanásia por não haver alternativas no país. Apenas seria admissível uma situação dessas quando não houvesse mesmo solução para os animais”, frisa, “a legislação não pode ser bem aplicada se não for levada às últimas consequências, e isso implicava haver locais de acolhimento para os espécimes apreendidos”.
Leonor Galhardo fez parte de uma equipa do Eurogroup que, em colaboração com a DGV e o ICN, visitou os zoológicos de todo o país em 2002, tendo elaborado um relatório em 2003. “Os animais confiscados são presentemente enviados para diferentes parques zoológicos nacionais, os quais por vezes não respeitam critérios básicos de bem-estar animal. Este facto não só implica uma retracção no número de operações de apreensão de animais, mas também resulta numa desconfortável perda de independência do Estado em relação aos zoos em causa”, apontava o relatório. Desde então, nada mudou.
O chão de cimento e a falta de enriquecimento ambiental dos espaços, “um ambiente onde os animais não têm nada para fazer, são “aquilo que mais salta à vista”. “O enriquecimento ambiental é frequentemente confundido com mera decoração das instalações, em geral irrelevante para os animais em causa”, aponta a equipa que elaborou o estudo. A falta de formação do pessoal, não preparado muitas vezes para interpretar o comportamento dos animais, a falta de higiene e manutenção das instalações e “um grande descontrolo na forma como as colecções de animais são geridas” foram algumas das falhas detectadas com maior frequência.
Apesar da pequena dimensão, Portugal conta já com uns 40 parques, pelas contas desta especialista. Contando com pequenos parques de espécies cinegéticas e zoos municipais. Ao que o QA apurou, haverá todos os anos novos pedidos para abertura de parques, o que faz pensar numa autêntica “febre zoológica”. “Desde há cerca de 10 anos que o número de zoos em Portugal tem estado a aumentar rapidamente, sob uma completa falta de regulamentação”, aponta o relatório da DGV e do Eurogroup, elaborado em 2003.
O relatório dava conta, a essa data, da existência de 30 parques zoológicos em actividade, sendo que apenas 8 tinham condições, à data, para cumprir a nova lei. Os parques são de cinco tipos: 10 zoos (colecção não especializada de animais); 4 aquários e delfinários (colecção especializada de peixes e/ou outras espécies animais marinhas); 14 parques municipais (colecção principalmente composta por espécies da fauna autóctone); um santuário (colecção permanente de animais recuperados); um parque de entretenimento (que alberga também uma pequena colecção de animais em exibição).
Dos oito parques que já cumpriam os requisitos legais, 6 foram considerados satisfatórios e 2 bons (ou mesmo muito bons em relação a certas áreas específicas). As espécies que compõem as colecções são sobretudo aves (46%), seguidas de peixes (27%) e mamíferos (13%). Os zoos e aquários estão sobretudo distribuídos na área da grande Lisboa, do grande Porto e no Algarve. “Os parques municipais tendem a localizar-se um pouco por toda a região interior, com especial incidência no norte”, aponta o documento.
“Em geral, os resultados mostraram um baixo nível dos aspectos de bem-estar animal. 60% dos parques têm uma avaliação negativa dos cuidados aos animais (carência de pessoal competente, procedimentos de limpeza, alimentação e monitorização inadequados). 60% dos zoos evidenciaram “alojamentos satisfatórios”, mas 25% mantinham alojamentos “precários”. O papel de conservação dos parques portugueses foi considerado “muito fraco”, assim como a aposta na investigação científica.
Sabe-se que entretanto outros foram criados, podendo atingir hoje as quatro dezenas. No entanto, a DGV fala apenas em “23 parques identificados”. Ou seja, muitos não terão chegado a pedir o licenciamento de acordo com as novas regras e poderão encerrar. Por todo o país estão espalhados pequenos zoos, demasiados para um país tão pequeno, de acordo com algumas opiniões. “Tanto quanto se sabe, os parques zoológicos dificilmente são viáveis economicamente, e é passado alguns anos que o peso do investimento se começa a fazer sentir”, comenta João Loureiro.
No caso do Oceanário de Lisboa, por exemplo, o grande investimento inicial foi feito pelo Estado, no âmbito da Expo’98, mas sem essas coincidências torna-se mais complicado assegurar a gestão, sobretudo com grandes colecções de animais. O Zoo de Lisboa tem recorrido a patrocinadores e recebe fundos angariados pelo Grupo de Amigos do Zoo, como forma de suplantar os elevados custos da alimentação e manutenção dos animais.
Existe uma associação europeia e uma Associação Ibérica de Zoos e Aquários, que estabelece e coordena a aplicação de princípios de conservação da Natureza nestes recintos. Em Portugal, estão representados nesta associação o Oceanário de Lisboa, o Omega Parque (Monchique), o Zoo de Lisboa, o Badoca Park (safari park em Santiago do Cacém), o Zoomarine (Albufeira), o Zoo de Lagos e a Quinta de São Inácio, em Avintes.
A associação Animal pretende visitar todos os parques zoológicos do país, para tirar as suas próprias conclusões sobre o cumprimento da directiva comunitária, e deverá ter um relatório pronto em Junho. Apesar de apontar aquilo que considera irregularidades e falta de cumprimento da directiva, o presidente da associação, Miguel Moutinho, sustenta que por princípio, “nenhum parque zoológico está em boas condições, uma vez que está errado retirar os animais do seu habitat”.
O novo decreto-lei exige, aliás, que os zoos reforcem a componente pedagógica e científica da sua actividade e que contribuam para a investigação e conservação de espécies. “Esta lei é muito mais avançada que a anterior e vem acautelar uma série de aspectos importantes, como a possibilidade de refúgio e uma maior privacidade dos animais no espaço em que habitam”.“Desde há uns anos houve um boom de parques zoológicos, a maioria sem intuitos de conservação das espécies”, critica Miguel Moutinho. “Penso que não é num parque zoológico que vamos aprender algo sobre as espécies animais, e há muitos outros meios de obter essa informação, desde visitas a reservas à visualização de documentários”.
Zoo de Lisboa: uma história longa e atribulada

A associação Animal está a preparar um relatório sobre uma visita feita em Dezembro ao Zoológico de Lisboa. Miguel Moutinho, presidente da Animal, aponta o “Palácio dos Chimpazés”, a área dos elefantes e a “Aldeia dos Macacos” como as zonas mais críticas e com maior necessidade de requalificação. A DGV considera que este zoológico centenário “está conforme com a lei” e já desmentiu rumores de encerramento. Há vários anos que o Zoo de Lisboa espera uma verba de 25 milhões de euros do Estado e da Câmara de Lisboa para avançar com obras de envergadura do parque, no âmbito de um protocolo assinado em 2000. Apenas a autarquia já desbloqueou a situação, e a administração já avançou com os trabalhos, mas não vai fazer todas as mudanças que estavam previstas, num investimento total de 45 milhões de euros. A renovação das infra-estruturas de electricidade, água e saneamento vai ter de esperar. O QA pediu uma visita ao Zoo de Lisboa, acompanhada pelo director, o responsável técnico e o veterinário do zoo, mas esta foi recusada com a justificação de que não seria oportuna. A sugestão de um contacto telefónico para obter alguns esclarecimentos também não foi acolhida. No entanto, o QA dirigiu-se ao zoo, como um qualquer visitante, para constatar que o chão de cimento e a pouca água e vegetação ainda são o mais comum, sobretudo nas áreas dedicadas aos primatas e aos felinos, a prioridade assumida pelo Zoo em próximas intervenções. Sendo o parque zoológico mais antigo da Península Ibérica, o parque de Sete Rios tem, de longe, a maior colecção de animais e plantas exóticas em todo o país. A ideia de se criar o parque surgiu em 1882, durante o reinado de Fernando II. Dois anos depois, era inaugurado o “Jardim Zoológico e de Aclimação de Portugal”, por iniciativa de Pedro van der Laan e José Thomaz Sousa Martins.
O primeiro zoo abriu em São Sebastião da Pedreira, mas após alguns anos teve de mudar de local. Em 12 de Março de 1913 o parque foi declarado Instituição de Utilidade Pública. A partir de 1912 o Zoo teve a colaboração do arquitecto Raul Lino, que desenhou a célebre Aldeia dos Macacos, inspirada no Zoo de Roma (construída em 1927 e renovada com o patrocínio da Nestlé em 1998), o Palácio das Feras, o Solar dos Leões, o Aviário Madail, a instalação dos Hipopótamos e a das Girafas, entre outras. Até ao 25 de Abril, chegavam muitas espécies exóticas de África, dinâmica que teve uma quebra com a independência das colónias portuguesas. Neste período, o parque passou a viver apenas das entradas, que deixaram de ser subsidiadas pelo Estado. O recurso a apoios de entidades privadas, como a Fundação Calouste Gulbenkian, e a instalação de um Bingo permitiram mudar a situação a partir dos anos 80. Em 1997 foi criado um bilhete único que permite ter acesso a todas as actividades do zoo, incluindo apresentações de animais ao vivo com golfinhos, aves e répteis. O Zoo tem-se envolvido em campanhas de conservação de algumas espécies, nomeadamente neste momento uma acção dedicada às tartarugas marinhas.

17.2.06

Da lógica e da emoção

Sentimentos e pensamentos... Como distinguir?
Quando reflectimos acerca deste binómio lógica-emoção, tendemos a colocar estes dois conceitos num mesmo plano de ideias, confundindo inteligência com sensibilidade, ou sensatez com irracionalidade, ignorando até mesmo o próprio significado das palavras para descrever conceptualizações que nos tomamos como genéricas e universais.

Mas porquê tamanha dualidade? O contraste existente entre estes dois factores da vida de tantas espécies no nosso planeta, só parece encontrar eco no Homem, que através de engenhosos esquemas intelectuais, procura insaciavelmente descobrir a fronteira entre a sensação e a reflexão, quase como se de uma luta se tratasse, e onde um vencedor tem obrigatoriamente de existir. De facto, a batalha entre a razão e a emoção costuma acontecer quando se tenta mostrar que um é mais importante do que o outro. Há inclusivamente quem proponha que o ideal humano deveria ser a busca pela racionalidade e pela lógica, e que esse deveria ser o grande objectivo da educação formal. Outros propõem que a nossa essência é puramente emocional, e que esse é único aspecto que deveria dominar o nosso comportamento.

Contudo, estas discussões acabam por sugerir que há uma eterna relação de competição entre a razão e a emoção, como se fossem aspectos irreconciliáveis do ser humano. Nós, homo sapiens sapiens, somos um interessante híbrido de mútliplas condicionantes físicas, psicológicas e culturais, e julgo que não nos esgotamos numa definição tão simplista que limita-nos ao limbo estreito das duas faces inseparáveis de uma mesma moeda. Aquilo que chamamos de “razão” ou de “raciocínio lógico” ou mesmo de “bom senso” não é algo que tenha expressão explícita nos nossos genes, é, efectivamente, um comportamento aprendido. Esse reconhecimento de que as emoções ou sentimentos fortes podem alterar o desempenho das nossas decisões deveria estimular-nos a procurar uma maior objectividade em áreas essencialmente subjectivas, e isto envolve questionar as nossas próprias “certezas”.

De facto, somos seres sociais. Precisamos do convívio e da interação, pois muito provavelmente foi esse um dos factores fundamentais da sobrevivência do Homo Sapiens sobre os Neandertais.
Mas a convivência com outros seres humanos traz uma nova categoria de problemas a este
animal emocional. Agora, já não basta ter em conta os nossos próprios pensamentos, precisamos também de considerar o que os outros pensam sobre nós. E daí vem a questão: qual é a real importância que devemos dar ao que os outros pensam de nós? Seria importante alterarmos nosso comportamento para melhor se ajustar ao que o mundo quer de nós? Se deixarmos a resposta a esta pergunta unicamente a cargo da emoção, ficamos com nossa conduta essencialmente à mercê de nosso meio social. Vamos sempre querer ser aquilo que os outros esperam, aquilo que eles desejam que sejamos. É fácil concluir que, se permitirmos isso, vamos ter que alterar constantemente nosso comportamento, para nos ajustarmos sucessivamente aos diferentes tipos de ambiente pelos quais circulamos diariamente. Com efeito, de que forma é que os outros percebem aquilo que realmente somos? Ora, é apenas através das nossas acções e do nosso comportamento que os outros podem conhecer alguma coisa acerca de nosso pensamento. As pessoas que nos rodeiam fazem um “modelo” daquilo que somos através das nossas acções e reacções diárias às diversas situações a que somos submetidos.

Mas na verdade, não é tão importante assim o que os outros pensam de nós. É mais importante o que nós pensamos sobre nós mesmos, pois o que os outros pensam de nós será automaticamente um reflexo das nossas atitudes exteriores, e as nossas atitudes exteriores estão directamente relacionadas com aquilo que achamos de nós mesmos. O grande filósofo britânico David Hume já dizia que a razão é a serva das paixões. Isto levou o filósofo americano Robert Sokolowski a escrever uma frase que sumariza bem esta ideia: “Dos desejos provêm os fins, dos pensamentos provêm os meios”. É inegável que usamos a razão para “percepcionar” o mundo à nossa volta para satisfazer as ditas “paixões”. Hume até afirmava que precisamos de paixões para motivar as nossas acções.

Podemos acreditar que boa parte do progresso da humanidade advém da nossa imperiosa necessidade de satisfazer as nossas mais básicas necessidades emocionais, além da segurança, diversão, conforto, convívio, etc. A Internet, por exemplo, pode ser vista como um recurso criado pela razão para aproximar as pessoas, para permitir que troquem informações em qualquer local do mundo e em qualquer altura. No entanto, é preciso reconhecer que a razão pode ir além do que Hume propunha. É possível, inclusive, dizer que grande parte do progresso da humanidade se deve à restrição de certos impulsos emocionais, devido a uma troca racional deles por outras formas de satisfação.

Essa habilidade para efectuar reflexões críticas é essencial no mundo de hoje, onde as tentações e as ofertas de informação são múltiplas, incontroláveis e muitas vezes de qualidade duvidosa. A liberdade de expressão, um dos mais importantes direitos individuais de que dispomos, exige de nós uma preparação para lidar com noções estranhas, incoerentes e criticáveis. E para isso é indispensável possuir uma atitude responsável de indagação e investigação crítica constante.

A Humanidade, seja lá o que isso for, chegou depressa demais ao século XXI, e uma coisa parece certa: se não mantivermos as nossas emoções despertas durante os próximos anos, as nossas chances de sobrevivência ficarão sem dúvida reduzidas, pois nós, primatas de cérebros volumosos, sobrevivemos até agora porque desenvolvemos uma forma de expressão emocional sofisticada e útil, e apesar de sabermos que ocasionalmente essa expressão tem os seus desvios e irracionalidades, tambéms sabemos que o nosso gosto pela vida que instintivamente temos, deve muito às nossas origens emocionais. Somos seres sociais, organismos que sentem prazer em compartilhar, colaborar e interagir. Somos seres sofisticados, com emoções complexas como são as do altruísmo, da solidariedade, ou da compaixão para com os outros. Mas contudo, é imprescindível que estas actividades emocionais sejam temperadas e refinadas com o uso criterioso da racionalidade da ciência e do pensamento crítico. Só sabendo tolerar e respeitar as diferenças individuais de cada um, num enriquecimento pacífico através da diversidade sóciocultural, é que teremos todas as chances possíveis para sobreviver em épocas tão difíceis quanto as que nos aguardam no futuro.

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