P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

27.5.06

Uma introdução à crítica da gestão da diversidade sócio-cultural no pós-modernismo

Os modelos explicativos da gestão etno-cultural estão a meu ver ultrapassados, e face ao pessimismo, é preciso cuidadosamente reinventar novos mitos que encarnem o espírito de desenvolvimento e progresso que tanto queremos e precisamos. A força anímica de um povo não pode ser facilmente observada ou guardada num frasco como antídoto para as dificuldades. Pelo contrário, ela deve ser continuamente renovada e estimulada para que cresça, ou então definha e morre. Aqui vemos a importância não só do poder político e do seu discurso, mas também da capacidade do próprio povo para enfrentar as situações com a certeza de que vale a pena lutar por uma causa, ainda para mais quando essa causa somos nós. Talvez o remédio milagroso seja, como se diz, o regresso dos mitos. A reinvenção de novas histórias. O clássico herói.

Com efeito, personalidades como Winston Churchill diziam-se inspiradas pelos seus antepassados, e William Shakespeare aprendeu muito do que sabia inspirado pelos heróis dos textos gregos, e eu acredito que estes exemplos tenham desempenhado uma influência muito forte na educação de ambos. O problema é que a sociedade tende a diluir os padrões de pensamento em nome da igualdade. E é sempre mais fácil usar lugares-comuns e chavões fúteis ao invés de uma real reflexão sobre um determinado assunto. E simplesmente resignamo-nos a ser como somos, confundindo razoabilidade com conformismo. O que não é nenhuma surpresa se pensarmos que somos habituados desde dos primeiros anos da nossa formação a seguir as tendências lógicas da maioria, a não dar voz às nossas ideias, a não exercitar as nossas mentes.

O lado negativo destes factos é que o resultado será um atrofiamento tanto psicológico quanto intelectual, tanto cultural quanto social. Como é que podemos esperar que o projecto de vida em sociedade resulte num bem maior e comum a todos, ou seja, em algo de positivo e universal, quando essa mesma sociedade é constituída na sua natureza intrínseca por indivíduos desiludidos e tristes?

Na verdade, podemos observar que ao longo da nossa história, sempre encontrámos de uma forma ou de outra uma relativa união em torno de determinados sentimentos (sentido de honra; humildade e amor à pátria; o vibrar nas vitórias desportivas; o pessimismo actual) e maneiras de sentir quem somos, e quem é o Outro. Ou seja, o povo português é relativamente homogéneo nas suas concepções ideológicas e construções mentais das imagens que desenha acerca de si e dos Outros. É interessante observar que raramente se houve falar do povo português no sentido singular de tomar cada indivíduo como uma unidade própria, autónoma e independente. Somos quase dez milhões, mas parecemos sempre que somos muito mais...É claro que tratamos de assuntos muito delicados para algumas consciêncas, pois ao assumirmos isto, temos de comprovar com base em exemplos mais ou menos conhecidos ideias que podem não passar de preconceitos fruto da equação pessoal do investigador. É o caso de generalizações como quando afirmamos que fomos ou somos um povo racista, ou preguiçoso, ou fatalista, ou poeta, etc. Nenhuma destas afirmações pode ser cabalmente comprovada, ou refutada. Mas também é um notável reflexo de um meio termo constante, d'un quelque chose inominável mas infinito.

Procuramos homogeneizar todas as relações na sua indeterminação, tomamos o desnecessário pelo necessário, e perdemos todo o sentido de necessidade cultural. E é nesta dúvida, nesta perda, neste impasse que somos, que acabamos por ficar perdidos em nós.

Ainda assim, penso que a mudança é possível. E o papel da universidade é fulcral no desenrolar de todas estas questões. Durante muitos anos, era nas universidades que se formavam verdadeiras escolas de pensamento que iriam influenciar e revolucionar a sociedade em que estavam inseridas. E isto não porque procurava educar cegamente os indivíduos de forma homogénea ao serviço do Estado, mas antes porque procurava libertar o espírito das pessoas, estimulando a criatividade própria de cada um como ser singular e útil para o desenvolvimento do país. De facto, a intenção original das academias e das universidades reformadas era proporcionar um lugar publicamente respeitável e um meio de apoio para os homens teóricos - dos quais quando muito há apenas uns tantos em qualquer nação - se encontrarem, trocarem as suas ideias e treinarem jovens nos caminhos da ciência. Hoje em dia, talvez mais do que nunca, o papel de escola de pensamento das universidades deve ser reforçado.

Eu defendo que a universidade como instituição deve compensar o que falta aos indivíduos numa democracia, encorajando os seus membros a practicar um espírito de cultura. Como repositório das mais elevadas capacidades e princípios do próprio regime, deve ter um forte sentido da sua importância fora do sistema de indivíduos iguais. A universidade deve questionar e críticar a opinião pública porque tem dentro de si a fonte da autonomia: a busca e até a descoberta da verdade de acordo com a natureza humana. No entanto, actualmente algo de absolutamente novo e potencialmente negativo é o facto de que a liberdade de pensamento deu lugar à liberdade de expressão, em que o gesto obsceno goza do mesmo estatuto protegido que o discurso demonstrativo. E como é que a ciência reage a isto? Nós, cientistas sociais, futuros antropólogos, devemos afirmar outras prespectivas que englobem o todo social, e apontar caminhos de resolução fiáveis e efectivamente possíveis. Devemos contrariar os discursos fáceis e preconceituosos acerca da realidade. Para verdadeiramente compreendermos o carácter da modernidade, da globalização, dos conflitos sociais, e tantos outros conceitos problemáticos, devemos-nos afastar da experiência limitativa do aqui e agora que só nos leva a uma consequente perda de perspectiva.

Eu recuso-me a desistir face à crise de conhecimento que se tornou em alguns países uma ferramenta políticamente útil, e aceitar de forma conformada esta crise da democracia liberal.

Curiosamente, denoto que é em democracia, a mais livre das sociedades, que os homens acabam por estar mais dispostos a aceitar doutrinas que lhes são impostas. Ninguém sozinho parece poder ou ter o direito de controlar acontecimentos que parece serem movidos por forças impessoais. Veja-se a desculpabilização dos moldadores da opinião pública sob a égide da liberdade absoluta de poderem dizer tudo aquilo que lhes apetece, e desenhar tudo aquilo que se queira, mesmo que se esteja a gritar a plenos pulmões para matarmos todos os judeus, ou muçulmanos.

Isto leva-nos a outra questão. No que diz respeito à forma como tem sido debatido a polémica dos cartoons, julgo que nehuma personalidade mediática falou tão bem quanto o Dr. Ângelo Correia no programa Prós e Contras da RTP. Toda a defesa da sua opinião acerca do assunto era a que um antropólogo teria: devemos separar os vários conceitos e analisá-los no seu contexto, pois uma coisa é o fanatismo religioso, outra coisa são tradições ancestrais; outra é o islamismo, outra é a instrumentalização das massas pelo poder político, outra coisa ainda são milícias armadas, outra é o povo, e não podemos simplesmente pôr tudo no mesmo «saco». Para além disso, ainda devemos ter em mente que os media só filmam aquilo que mais impacto terá nos telespectadores. Uma multidão enraivecida a queimar bandeiras é sempre mais espectacular que a restante maioria da população que não participa nestes comportamentos e assiste distanciadamente à violência gratuita que não subscrevem.

De facto, a adulação do povo e a incapacidade de resistir à opinião pública são os vícios democráticos característicos dos escritores, artistas, jornalistas e quaisquer outrso que estejam dependentes de uma audiência insaciável. Um homem nunca deve deixar-se vencer pelos acontecimentos, e devemos ter a maturidade de aceitar que as esperanças de modificar a humanidade quase sempre culminam em modificar não a humanidade, mas o pensamento de uma pessoa. Lembro-me de ter lido algures que os antigos estavam sempre a elogiar a virtude, mas os homens não se tornavam mais virtuosos por causa disso. Por toda a parte havia regimes podres, tiranos a perseguir o povo, homens injustiçados, etc, e os mais sábios e prudentes viam claramente o que estava errado em tudo isto, mas a sua sabedoria não gerava o poder para fazer qualquer coisa a este respeito. Talvez o nosso pessimismo seja um produto dos tempos.

Numa democracia onde os homens já pensam que são fracos, acabamos por estar demasiado abertos a teorias que ensinam que somos fracos, as quais fazem os indivíduos pensar que controlar a acção é impossível, e o resultado é claramente um maior enfraquecimento de nós próprios.

O porquê das problemáticas sociais é ainda recente e estranho ao moderno espírito democrático, que não consegue libertar-se dos seus constragimentos intelectuais e analisar adequadamente, não «encaixadamente», as diferenças e as identidades dos indivíduos. Sempre que há um momento complicado, como o clima de pessimismo que vivemos actualmente, os homens democráticos devotados ao pensamento têm uma crise de consciência, e procuram descobrir um caminho para interpretar os seus esforços pelo padrão da utilidade, ou então tendem a abandoná-los ou a deformá-los. Julgo que esta tendência é realçada pelo facto de que na sociedade igualitária praticamente ninguém tem uma grande opinião de si próprio, e baseia-se em estereótipos convencionais para representar o Outro.

Em todo o caso, teremos sempre de admitir que a natureza humana não se pode alterar para ter um mundo livre de problemas. Por mais desesperante que isto possa ser, a verdade é que o Homem, e os portugueses não são seres que facilmente resolvam problemas, somos antes seres que acima de tudo reconhece problemas e os aceita, muito embora tenhamos que admitir que é o esquecimento a nossa forma mais subtil de resolver problemas. Falta-nos a ousadia de afirmar como Marx de que a humanidade nunca coloca a si própria problemas que não sabe resolver. Enfim, há sempre tanto para dizer. Mas tudo isto não passa de um paracer pessoal. As grandes questões que cada um de nós deveria colocar a si próprio continuam a ser «quem sou eu», «o que é o Outro», e será que a minha «opinião serviria como valores»?

Dito isto, gostaria apenas de terminar com uma passagem de Tocqueville:
«(...)nas sociedades democráticas, cada cidadão está habitualmente ocupado com a contemplação de um objecto muito insignificante, que é ele próprio(...)».
No caso português, a situação assume contornos peculiares, sendo por ventura o grande espírito consumista, a corrida desesperada ao crédito financeiro e aos bens de luxo alguns bons exemplo dessa contemplação desmedida por nós mesmos. A gravidade do problema é que essa contemplação é agora intensificada por uma indiferença maior para com o passado e pela perda de uma visão nacional do futuro. Ainda assim, podemos depositar as nossas esperanças nos jovens de amanhã para a construção de uma nova atitude no espírito dos portugueses. Mas infelizmente, o único projecto comum e fantástico que parece ainda ocupar a mente de muitos jovens, especialmente as mentes dos jovens norte-americanos, não é o fim da guerra ou o combate à fome, mas sim a exploração do espaço, que toda a gente sabe estar vazio...

1.5.06

Nós e nós: os Outros

Eu estou completamente de acordo quando se diz que o pessimismo português é actualmente e acima de tudo um produto cultural fruto de um contexto específico, mas na minha opinião, julgo que não poderemos deixar completamente de parte o peso psicológico que as nossas emoções têm sobre os nossos comportamentos e atitudes, mesmo quando estamos a falar de um conjunto de dez milhões de indivíduos. Ou seja, apesar de existirem motivos, forças, pressões ou condicionamentos propícios ao nascimento do nosso pessimismo, ele toma forma, substancia-se, evolui e multiplica-se de forma generalizada tendo como base um certo sentimentalismo de derrota e desilusão. Algo que faz parte, claro está, da natureza humana. E porquê? Talvez isto nos leve a uma outra questão que muitos intelectuais têm aflorado nos seus textos: o problema da identidade nacional.

Hoje em dia, o que é, de facto, o povo português? Quem somos nós afinal? O quê que nos distingue dos Outros?

Portugal teve monarcas, ditadores, aderiu à União Europeia, desempenha alguns papéis no fenómeno da globalização desde o tempo das colónias, abandonou o «escudo»(talvez mesmo no duplo sentido dessa palavra: o escudo moeda, e o escudo protecção face às dificuldades exteriores), e hoje não sabe quem é. Está perdido em si mesmo.

Alguns professores doutores referem que a nossa identidade já não é construída por oposição nem aos ingleses, nem aos espanhóis. Quem será o nosso Outro então? O rosto estrelado dos EUA? Algum dos diferentes países que formam a face multi-céfala da globalização? Talvez. Ainda assim, julgo que os modelos teóricos da construção da identidade nacional não nos fornecem ainda uma resposta satisfatória. Eu proponho que o nosso Outro seja agora nós mesmos. Sim. Eu proponho que o nosso pessimismo enquanto sentimento nacional foi construído por oposição a um outro povo que já existiu, um povo vitorioso e conquistador, rico e evoluído, e que apesar de já só fazer parte do nosso imaginário colectivo, de alguma forma manteve-se vivo na nossa sociedade de portugueses tradicionais, e vemo-lo todos os dias, invisível, quando olhamos nos espelhos das nossas casas, ao nosso lado, nas ruas, nas terras, nos mares de Portugal. E nas mentes dos portugueses, esse povo ainda existe, e assombra-nos em cada pensamento, aspiração ou sonho, modelando os nossos valores e atitudes, fazendo-nos sentir vergonha do que nos tornámos, conduzindo-nos à lamentação e ao desespero.

Assim sendo, a nossa visão do que somos face à oposição ao Outro que também somos porque fomos, conduziu-nos ao pessimismo. Actualmente, talvez este produto cultural que também faz parte da natureza humana, seja a nossa mais poderosa estratégia de identificação nacional, mesmo que não o saibamos.

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