P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

1.7.10

Do pessimismo trágico à razão de existir

O pessimismo persiste, é certo. Existe e parece estar em crescimento, ainda que nas últimas sondagens sobre o optimismo dos empresários portugueses se note um pequeno decréscimo para os que desenvolvem as suas actividades no sector têxtil. Já na política, por incrível que pareça, ainda continuamos pessimistas.

Digo isto porque parecia que o país inteiro queria eleger um «salvador da pátria» para a presidência da república, e tendo atingido esse objectivo, esperava-se um efeito dominó de união, esperança e optimismo que se desenrolaria em todos os sectores da sociedade portuguesa, incluindo as esferas políticas. Não posso deixar de aceitar estes factos com um ligeiro sentido de ironia. Aqui temos uma indústria têxtil «em farrapos» a ser optimista, e os empresários que apoiaram certas candidaturas a dizer que não há razões de optimismo para a política portuguesa. Talvez este pequeno exemplo vá de encontro com o que certos autores querem dizer quando referem os contrastes de Portugal. Contrastes na opinião, nas incoerências dos discursos e das atitudes dos portugueses face às dificuldades em que vivemos. Os níveis de vida que parecemos ter e que queremos manter ferem gravemente quase todos os pressupostos de contenção e sacrifício necessários para a ultrapassagem da crise económica. Mas ainda assim julgo que podemos associar estes fenómenos de primazia do pessimismo sobre o optimismo a uma pequena analogia com certos acontecimentos que são naturais aos seres humanos: olhemos para a morte e para vida. Por maior que seja a felicidade do nascimento de um filho ou de uma filha, julgo que será sempre maior a dor que a sua morte causará aos seus pais, do que a experiência que viveram juntos enquanto estavam vivos. De facto, a própria lembrança do quanto foram felizes, poderá mesmo servir para aumentar a tristeza e o seu sentimento de falta ao invés de reconfortar a sua ausência, arrastando-se no tempo através de todas as cerimónias fúnebres, a divulgação social do seu desaparecimento na comunidade, até se chegar finalmente à aceitação da sua não-existência de uma forma conformada, mas que deixou com certeza as suas feridas emocionais. Na minha opinião, algo de muito semelhante aconteceu ao longo da história portuguesa: ela foi morrendo.

Não sei quando tudo aconteceu, mas julgo que de alguma forma foi acontecendo, até chegarmos ao senhor Scolari na Selecção e aos escândalos sexuais, de corrupção e incompetência que fazem manchete nos diários e que falam abertamente sobre o que está mal na política, na administração pública, na educação, na saúde, na segurança social, etc. A democracia permite a liberdade de expressão, mesmo que essa expressão seja norteada por pressupostos explicitamente pessoais de quem tem algum tempo de antena. Prosseguindo, a felicidade trazida por D. Afonso Henriques, as lutas contra os espanhóis, e mesmo as novidades trazidas pelos Descobrimentos, nunca mais encontraram paralelo na nossa história, e todos os outros acontecimentos esporádicos que fizeram num ou noutro momento esboçar um sorriso no rosto dos portugueses, serviram apenas de balões de oxigénio para prolongar uma morte que se fazia lenta. E os portugueses foram envelhecendo, murmurando o fado e esperando o dia de amanhã com a certeza que não poderia ser melhor do que o dia de ontem, ou dia de hoje. E envelhecemos, não só na idade, mas também no pensamento, até que todo optimismo seria muito fraco face aos motivos para sermos pessimistas.

Desta forma, será o pessimismo apenas uma defesa contra a desilusão? É claro que esperando o pior, não há nada a perder. Talvez esteja na natureza humana uma maior sensibilidade para o que nos fere, do que para o que nos apraz. Mesmo que o amor seja a mais forte das emoções, são as lágrimas, a dor, o sangue, a luta e o desespero que nos marcam, que receamos e dos quais temos o maior dos medos. Por mais que leia, ou que assista a documentários, fico sempre com uma maior impressão de que o mundo está podre, desde das suas mais altas organizações internacionais, até à comissão de protecção de menores desta cidade ou do padre daquela aldeia. Como diz Saramago, eu não gosto de ser pessimista, mas o mundo é que é péssimo. Haverá esperança para a humanidade, quando ele é a fonte de todas as injustiças que conduzem à sua própria destruição? Talvez exagere nestas palavras, mas julgo que estou ainda estou a tempo de questionar o nosso papel no mundo e filosofar um pouco acerca de nós próprios com a ingenuidade própria da juventude, suponho. No entanto, julgo que existem algumas estratégias de combate a esta nossa maneira de ver o mundo.

Todos os dias fazemos opções sobre como reagimos aos acontecimentos. Se os portugueses escolherem uma atitude correcta, voluntária, solidária ou até mesmo altruísta no relacionamento com os outros, imbuídos de uma noção de estar a agir sobre os valores do que é o «Bem», criamos uma atitude mental positiva nas nossas vidas. Então, a concentração nas coisas que funcionam bem nas nossas vidas trazem uma abertura através da qual certos comportamentos e mudanças de mentalidade podem, de facto, acontecer. E todavia sabemos que o povo português não participa do debate público das grandes e pequenas questões que influenciam as suas vidas e a dos seus vizinhos. Afinal de contas, para quê ter esse trabalho se a nossa opinião não é ouvida?

A falta de movimentos cívicos, de redes de voluntariado e de lugares de expressão das suas críticas e contribuições para o desenvolvimento da sociedade, são apenas alguns reflexos disso mesmo. Ainda assim, e dito tudo isto, julgo que devemos depositar alguma esperança na capacidade extremamente «desenrascada» que os primatas não humanos sempre tiveram para fazer face às dificuldades e perpetuar a sua espécie. É claro que o que estamos a discutir actualmente em nada tem a ver com o perigo da nossa extinção, mas acho que, de alguma forma, pode estar relacionado com o medo de, simplesmente, existir.

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