P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

1.5.06

Nós e nós: os Outros

Eu estou completamente de acordo quando se diz que o pessimismo português é actualmente e acima de tudo um produto cultural fruto de um contexto específico, mas na minha opinião, julgo que não poderemos deixar completamente de parte o peso psicológico que as nossas emoções têm sobre os nossos comportamentos e atitudes, mesmo quando estamos a falar de um conjunto de dez milhões de indivíduos. Ou seja, apesar de existirem motivos, forças, pressões ou condicionamentos propícios ao nascimento do nosso pessimismo, ele toma forma, substancia-se, evolui e multiplica-se de forma generalizada tendo como base um certo sentimentalismo de derrota e desilusão. Algo que faz parte, claro está, da natureza humana. E porquê? Talvez isto nos leve a uma outra questão que muitos intelectuais têm aflorado nos seus textos: o problema da identidade nacional.

Hoje em dia, o que é, de facto, o povo português? Quem somos nós afinal? O quê que nos distingue dos Outros?

Portugal teve monarcas, ditadores, aderiu à União Europeia, desempenha alguns papéis no fenómeno da globalização desde o tempo das colónias, abandonou o «escudo»(talvez mesmo no duplo sentido dessa palavra: o escudo moeda, e o escudo protecção face às dificuldades exteriores), e hoje não sabe quem é. Está perdido em si mesmo.

Alguns professores doutores referem que a nossa identidade já não é construída por oposição nem aos ingleses, nem aos espanhóis. Quem será o nosso Outro então? O rosto estrelado dos EUA? Algum dos diferentes países que formam a face multi-céfala da globalização? Talvez. Ainda assim, julgo que os modelos teóricos da construção da identidade nacional não nos fornecem ainda uma resposta satisfatória. Eu proponho que o nosso Outro seja agora nós mesmos. Sim. Eu proponho que o nosso pessimismo enquanto sentimento nacional foi construído por oposição a um outro povo que já existiu, um povo vitorioso e conquistador, rico e evoluído, e que apesar de já só fazer parte do nosso imaginário colectivo, de alguma forma manteve-se vivo na nossa sociedade de portugueses tradicionais, e vemo-lo todos os dias, invisível, quando olhamos nos espelhos das nossas casas, ao nosso lado, nas ruas, nas terras, nos mares de Portugal. E nas mentes dos portugueses, esse povo ainda existe, e assombra-nos em cada pensamento, aspiração ou sonho, modelando os nossos valores e atitudes, fazendo-nos sentir vergonha do que nos tornámos, conduzindo-nos à lamentação e ao desespero.

Assim sendo, a nossa visão do que somos face à oposição ao Outro que também somos porque fomos, conduziu-nos ao pessimismo. Actualmente, talvez este produto cultural que também faz parte da natureza humana, seja a nossa mais poderosa estratégia de identificação nacional, mesmo que não o saibamos.

Free Site Counter
Get a Free Site Counter
Escreva aqui o seu e-mail


Powered by FeedBlitz