P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

2.3.06

O Homem e o Espaço

Não se pode ter a certeza do grau de afectação do ambiente físico sobre o comportamento dos indivíduos. Na realidade, o ambiente físico não tem o efeito directo que os projectistas acreditam, sobretudo quando se sobrepõe ao ambiente social. Nesta obra, o autor admite inclusive uma certa falência do determinismo físico, que deixa a descoberto a ignorância pelos factores sociais, culturais e económicos que contribuem, em primeira-mão, para a vitalidade ou degradação do ambiente urbano. É comum a leitura da metrópole contemporânea como o locus da fragmentação, do desenraizamento e da polifonia esquizofrénica da malha urbana. No entanto, é igualmente comum o elogio da cidade, a exaltação de seus feitos, a leitura de suas virtudes.

De facto, a cidade exerce um fascínio sobre cientistas e artistas, além de despertar a paixão das pessoas que nela escolhem – ou são escolhidas por ela – para morar. Mas isto não elimina os problemas que a cidade acumula e reverte na forma de dramas e angústias. E na metrópole tudo o que é urbano e citadino é mais dramático, radicalizado, intenso.

Com efeito, já no início da década de 1990, os estudiosos do espaço urbano viram a necessidade de renovar as suas ferramentas analíticas para compreender o fenómeno metropolitano, que ganhava novos rumos e intensidade. De forma veemente, muitos autores reforçavam a necessidade de outras abordagens sobre o urbanismo, procurando saber como as cidades eram, e não tanto em como elas deveriam ser
[1].

Embora estas estratégias empíricas de análise não se baseiem nos mesmos pressupostos de pesquisa de Ascher, a sua constatação é a mesma: ouvir primeiro, para depois analisar. Descrever a realidade enquanto facto empírico e experienciado, e não explicar à luz de modelos teóricos ou dos processos históricos. É mais importante a experiência tal como ela se apresenta, e não o que possamos pensar, ler ou dizer acerca dela. O que interessa é a experiência vivida no mundo do dia-a-dia da pessoa. Isto significa que não se espera explicar a origem ou o fundamento dos processos ou dos fenómenos. Significa, antes, descrever os factos tais como são vividos, ou seja, tal como são concretamente revelados na experiência.

Neste sentido, o lugar apresenta-se como a categoria espacial mais sintonizada com esta perspectiva, por constituir-se na menor célula espacial, configurada na escala do corpo, quando tem um carácter individual, em torno das relações afectivas que essa pessoa mantém com o espaço. Assim, os homens dotam de «luminosidade» aqueles pontos do espaço onde atribuem significados especiais, relacionando-se com eles de maneira íntima, através de laços afectivos. Estes configuram-se primeiro com a casa, estendendo-se à medida que o homem amplia a sua experiência e se envolve com outros lugares.

A experiência dos lugares, no sentido fenomenológico, tem, portanto, a perspectiva da historicidade da pessoa, da sua vida e da sua memória. Não é estrita como a percepção, mas envolve a compreensão da experiência como um fenómeno completo, que se consubstancia no presente a partir de toda a historicidade e geograficidade vivida.

A perspectiva da experiência é, portanto, a memória vivida, o passado tornado presente, que na sua dinâmica, conforma o ser e o Eu. Envolve tanto a experiência corpórea sensitiva, quanto a experiência mediada, impossível de ser excluída, mesmo que fosse necessário fazê-lo. Mas como contextualizar a experiência no contexto da Metapolis?

De facto, penso que a individualização do indivíduo ocorrida na modernidade, e que traz como consequência a restrição do seu espaço existencial a uma experiência fragmentada da metrópole, torna impossível que alguém viva a cidade na sua totalidade. Mas será que poderíamos, a partir disso, minimizar a importância dos lugares? Ou a experiência deveria ser vista como vinculada mais ao sistema-mundo do que às relações interpessoais e às sensações corpóreas dos micro-espaços?

Qual é, de facto, a única geografia relevante para as cidades do futuro
[2]? Será que podemos afirmar que a metapole, com os seus imensos processos, minimizou a importância desta vinculação orgânica homem-meio? Será que a experiência mediada impede o homem de se orientar a partir do lugar, e nele centrar sua visão de mundo?

De facto, mesmo após a leitura da obra de Ascher, não temos a certeza de que a dialéctica local-global é a melhor maneira de expressar esta natureza da vida contemporânea. A realidade tal como é experienciada só pode ser classificada e separada através da actividade racional de quem reflecte sobre ela.

[1] Neste sentido, Jacobs propôs-se a estudar a metrópole por outra via: «a maneira de decifrar o que ocorre no comportamento aparentemente misterioso e indomável das cidades é, em minha opinião, observar mais de perto, com o mínimo de expectativa possível, as cenas e os acontecimentos mais comuns, tentar entender o que significam e ver se surgem explicações entre eles». (JACOBS, 2003, p.12-13)

[2] Para pensar a questão, vejamos uma explanação acerca da relação do Homem com o espaço, da década de 1970: «o Homem sempre teve necessidade de estruturar e identificar o seu meio circundante, e a habilidade de se locomover com um mínimo de certeza sempre esteve presente em todos os grupos humanos. Pode-se mesmo afirmar que reconhecer e padronizar as vizinhanças é uma necessidade básica, que tem suas raízes em um passado remoto e que é de relevância prática e emocional para o indivíduo isolado ou em grupo. Há uma interacção profunda entre observador e observado. A Natureza sugere contrastes e relações que assumem a função de referências, que em sua maioria são apelos às percepções visuais, tanto de cor, forma, luz como de movimento. Enquanto que o Homem adapta aos seus propósitos tudo o que percebe, isto é, selecciona, organiza, e principalmente atribui significado às percepções. Os diferentes ambientes resistem ou facilitam o processo de construção do relacionamento harmonioso entre o perceber e o percebido.» (OLIVEIRA, 1976, p.56)

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