P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

17.2.06

Da lógica e da emoção

Sentimentos e pensamentos... Como distinguir?
Quando reflectimos acerca deste binómio lógica-emoção, tendemos a colocar estes dois conceitos num mesmo plano de ideias, confundindo inteligência com sensibilidade, ou sensatez com irracionalidade, ignorando até mesmo o próprio significado das palavras para descrever conceptualizações que nos tomamos como genéricas e universais.

Mas porquê tamanha dualidade? O contraste existente entre estes dois factores da vida de tantas espécies no nosso planeta, só parece encontrar eco no Homem, que através de engenhosos esquemas intelectuais, procura insaciavelmente descobrir a fronteira entre a sensação e a reflexão, quase como se de uma luta se tratasse, e onde um vencedor tem obrigatoriamente de existir. De facto, a batalha entre a razão e a emoção costuma acontecer quando se tenta mostrar que um é mais importante do que o outro. Há inclusivamente quem proponha que o ideal humano deveria ser a busca pela racionalidade e pela lógica, e que esse deveria ser o grande objectivo da educação formal. Outros propõem que a nossa essência é puramente emocional, e que esse é único aspecto que deveria dominar o nosso comportamento.

Contudo, estas discussões acabam por sugerir que há uma eterna relação de competição entre a razão e a emoção, como se fossem aspectos irreconciliáveis do ser humano. Nós, homo sapiens sapiens, somos um interessante híbrido de mútliplas condicionantes físicas, psicológicas e culturais, e julgo que não nos esgotamos numa definição tão simplista que limita-nos ao limbo estreito das duas faces inseparáveis de uma mesma moeda. Aquilo que chamamos de “razão” ou de “raciocínio lógico” ou mesmo de “bom senso” não é algo que tenha expressão explícita nos nossos genes, é, efectivamente, um comportamento aprendido. Esse reconhecimento de que as emoções ou sentimentos fortes podem alterar o desempenho das nossas decisões deveria estimular-nos a procurar uma maior objectividade em áreas essencialmente subjectivas, e isto envolve questionar as nossas próprias “certezas”.

De facto, somos seres sociais. Precisamos do convívio e da interação, pois muito provavelmente foi esse um dos factores fundamentais da sobrevivência do Homo Sapiens sobre os Neandertais.
Mas a convivência com outros seres humanos traz uma nova categoria de problemas a este
animal emocional. Agora, já não basta ter em conta os nossos próprios pensamentos, precisamos também de considerar o que os outros pensam sobre nós. E daí vem a questão: qual é a real importância que devemos dar ao que os outros pensam de nós? Seria importante alterarmos nosso comportamento para melhor se ajustar ao que o mundo quer de nós? Se deixarmos a resposta a esta pergunta unicamente a cargo da emoção, ficamos com nossa conduta essencialmente à mercê de nosso meio social. Vamos sempre querer ser aquilo que os outros esperam, aquilo que eles desejam que sejamos. É fácil concluir que, se permitirmos isso, vamos ter que alterar constantemente nosso comportamento, para nos ajustarmos sucessivamente aos diferentes tipos de ambiente pelos quais circulamos diariamente. Com efeito, de que forma é que os outros percebem aquilo que realmente somos? Ora, é apenas através das nossas acções e do nosso comportamento que os outros podem conhecer alguma coisa acerca de nosso pensamento. As pessoas que nos rodeiam fazem um “modelo” daquilo que somos através das nossas acções e reacções diárias às diversas situações a que somos submetidos.

Mas na verdade, não é tão importante assim o que os outros pensam de nós. É mais importante o que nós pensamos sobre nós mesmos, pois o que os outros pensam de nós será automaticamente um reflexo das nossas atitudes exteriores, e as nossas atitudes exteriores estão directamente relacionadas com aquilo que achamos de nós mesmos. O grande filósofo britânico David Hume já dizia que a razão é a serva das paixões. Isto levou o filósofo americano Robert Sokolowski a escrever uma frase que sumariza bem esta ideia: “Dos desejos provêm os fins, dos pensamentos provêm os meios”. É inegável que usamos a razão para “percepcionar” o mundo à nossa volta para satisfazer as ditas “paixões”. Hume até afirmava que precisamos de paixões para motivar as nossas acções.

Podemos acreditar que boa parte do progresso da humanidade advém da nossa imperiosa necessidade de satisfazer as nossas mais básicas necessidades emocionais, além da segurança, diversão, conforto, convívio, etc. A Internet, por exemplo, pode ser vista como um recurso criado pela razão para aproximar as pessoas, para permitir que troquem informações em qualquer local do mundo e em qualquer altura. No entanto, é preciso reconhecer que a razão pode ir além do que Hume propunha. É possível, inclusive, dizer que grande parte do progresso da humanidade se deve à restrição de certos impulsos emocionais, devido a uma troca racional deles por outras formas de satisfação.

Essa habilidade para efectuar reflexões críticas é essencial no mundo de hoje, onde as tentações e as ofertas de informação são múltiplas, incontroláveis e muitas vezes de qualidade duvidosa. A liberdade de expressão, um dos mais importantes direitos individuais de que dispomos, exige de nós uma preparação para lidar com noções estranhas, incoerentes e criticáveis. E para isso é indispensável possuir uma atitude responsável de indagação e investigação crítica constante.

A Humanidade, seja lá o que isso for, chegou depressa demais ao século XXI, e uma coisa parece certa: se não mantivermos as nossas emoções despertas durante os próximos anos, as nossas chances de sobrevivência ficarão sem dúvida reduzidas, pois nós, primatas de cérebros volumosos, sobrevivemos até agora porque desenvolvemos uma forma de expressão emocional sofisticada e útil, e apesar de sabermos que ocasionalmente essa expressão tem os seus desvios e irracionalidades, tambéms sabemos que o nosso gosto pela vida que instintivamente temos, deve muito às nossas origens emocionais. Somos seres sociais, organismos que sentem prazer em compartilhar, colaborar e interagir. Somos seres sofisticados, com emoções complexas como são as do altruísmo, da solidariedade, ou da compaixão para com os outros. Mas contudo, é imprescindível que estas actividades emocionais sejam temperadas e refinadas com o uso criterioso da racionalidade da ciência e do pensamento crítico. Só sabendo tolerar e respeitar as diferenças individuais de cada um, num enriquecimento pacífico através da diversidade sóciocultural, é que teremos todas as chances possíveis para sobreviver em épocas tão difíceis quanto as que nos aguardam no futuro.

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