A Metapolização
«O inferno dos vivos não é algo que ainda virá a ser, se existe,
é o que já existe aqui, o inferno em que vivemos todos os dias,
que formamos por estarmos juntos. Existem duas maneiras de
escapar ao sofrimento desse inferno. A primeira é fácil para
muitas pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte integrante dele,
de tal modo que já não se consegue vê-lo. A segunda é arriscada
e exige uma vigilância e uma apreensão constantes: procurar e
aprender a reconhecer quem e o quê no meio do inferno, e
então faze-los resistir, dar-lhes espaço.»
Ítalo Calvino in Cidades Invisíveis.
Segundo Ascher, uma metapole é o conjunto de espaços em que a totalidade ou parte dos habitantes, das actividades económicas, ou dos territórios, está integrada no funcionamento quotidiano de uma metrópole. Mas como é que este conceito ajuda-nos a compreendermos de facto a vastidão de fenómenos presentes nas metapoles?
Com efeito, sentimo-nos atraídos pelos dados numéricos, que são muito mais preciso, firmes, e impressionantes que os componentes leves e subjectivos dos padrões e dos sentimentos. Os números da congestão do tráfego são mais importantes que as frustrações dos peões que atravessam a rua. Os requisitos em metros quadrados de um compartimento sobrepõem-se às características normalizadas do fácil relacionamento social. Os planificadores esforçam-se por aumentar a quantidade de espaço aberto e esquecem-se de controlar a sua qualidade. A quantidade de uma coisa é uma das suas características importantes, mas o teste fundamental é, como sabemos, a sua adequação comportamental aos indivíduos.
A super-articulação entre as escalas de poder, economia, política e cultura, e o peso do sistema mundial de produção e de consumo, dotaram as metrópoles de uma complexidade sem igual. E junto com ela, a complexificação dos seus problemas e dramas.
Este é um problema crónico da modernidade, que colocou o indivíduo numa solidão, condenando-o a viver em ilhas afectivas no grande arquipélago da sociedade de massas. Esta solidão da cidadania, onde o indivíduo é suprimido pelas forças colectivas como a cultura, as normas estatais e comportamentais, além de uma série de outras forças micro ou macro políticas que isolam e constrangem, é uma marca da própria modernidade. E de facto, o cidadão é órfão de direitos fundamentais quando faz parte de uma ordem social que o transformam num mero peão nas mãos de poderes arbitrários ou de forças colectivas que não respeitam o seu ser próprio, subjugando-o a projectos e interesses especiosamente apresentados como supra-individuais.
Nos países desenvolvidos, alguns descrevem uma nova revolução urbana que anuncia o fim da grande cidade da época industrial, e o nascimento das metapoles de amanhã, como advoga Ascher. A periurbanização substitui o crescimento denso e contínuo das metrópoles por uma extensão sobre territórios desconcentrados, descontínuos, heterogéneos e multipolarizados, sem limite preciso entre a cidade e o campo.
As inter-relações das unidades urbanas diferenciadas, implicam um acesso fácil aos meios de comunicação e de mobilidade que condicionam seu funcionamento: acesso às relações informatizadas pela posse dos instrumentos necessários; acesso aos centros de emprego através de deslocamentos alternados facilitados.
A integração no sistema é, portanto, condicionada por um certo padrão de vida e suscita a exclusão das populações pobres. À visão optimista de passagem para a metapole[1], alguns podem contrapôr, mesmo nos países desenvolvidos, a formação de verdadeiros guetos no interior destas regiões metropolitanas, e o agravamento das segregações sócio-espaciais. Trata-se de um problema de primeira linha que se impõe àqueles que têm a obrigação de gerir a cidade. E ainda assim, o autor não consegue responder à grande questão que ele próprio coloca: até onde poderemos chegar no controlo da metapolização?
é o que já existe aqui, o inferno em que vivemos todos os dias,
que formamos por estarmos juntos. Existem duas maneiras de
escapar ao sofrimento desse inferno. A primeira é fácil para
muitas pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte integrante dele,
de tal modo que já não se consegue vê-lo. A segunda é arriscada
e exige uma vigilância e uma apreensão constantes: procurar e
aprender a reconhecer quem e o quê no meio do inferno, e
então faze-los resistir, dar-lhes espaço.»
Ítalo Calvino in Cidades Invisíveis.
Segundo Ascher, uma metapole é o conjunto de espaços em que a totalidade ou parte dos habitantes, das actividades económicas, ou dos territórios, está integrada no funcionamento quotidiano de uma metrópole. Mas como é que este conceito ajuda-nos a compreendermos de facto a vastidão de fenómenos presentes nas metapoles?
Com efeito, sentimo-nos atraídos pelos dados numéricos, que são muito mais preciso, firmes, e impressionantes que os componentes leves e subjectivos dos padrões e dos sentimentos. Os números da congestão do tráfego são mais importantes que as frustrações dos peões que atravessam a rua. Os requisitos em metros quadrados de um compartimento sobrepõem-se às características normalizadas do fácil relacionamento social. Os planificadores esforçam-se por aumentar a quantidade de espaço aberto e esquecem-se de controlar a sua qualidade. A quantidade de uma coisa é uma das suas características importantes, mas o teste fundamental é, como sabemos, a sua adequação comportamental aos indivíduos.
A super-articulação entre as escalas de poder, economia, política e cultura, e o peso do sistema mundial de produção e de consumo, dotaram as metrópoles de uma complexidade sem igual. E junto com ela, a complexificação dos seus problemas e dramas.
Este é um problema crónico da modernidade, que colocou o indivíduo numa solidão, condenando-o a viver em ilhas afectivas no grande arquipélago da sociedade de massas. Esta solidão da cidadania, onde o indivíduo é suprimido pelas forças colectivas como a cultura, as normas estatais e comportamentais, além de uma série de outras forças micro ou macro políticas que isolam e constrangem, é uma marca da própria modernidade. E de facto, o cidadão é órfão de direitos fundamentais quando faz parte de uma ordem social que o transformam num mero peão nas mãos de poderes arbitrários ou de forças colectivas que não respeitam o seu ser próprio, subjugando-o a projectos e interesses especiosamente apresentados como supra-individuais.
Nos países desenvolvidos, alguns descrevem uma nova revolução urbana que anuncia o fim da grande cidade da época industrial, e o nascimento das metapoles de amanhã, como advoga Ascher. A periurbanização substitui o crescimento denso e contínuo das metrópoles por uma extensão sobre territórios desconcentrados, descontínuos, heterogéneos e multipolarizados, sem limite preciso entre a cidade e o campo.
As inter-relações das unidades urbanas diferenciadas, implicam um acesso fácil aos meios de comunicação e de mobilidade que condicionam seu funcionamento: acesso às relações informatizadas pela posse dos instrumentos necessários; acesso aos centros de emprego através de deslocamentos alternados facilitados.
A integração no sistema é, portanto, condicionada por um certo padrão de vida e suscita a exclusão das populações pobres. À visão optimista de passagem para a metapole[1], alguns podem contrapôr, mesmo nos países desenvolvidos, a formação de verdadeiros guetos no interior destas regiões metropolitanas, e o agravamento das segregações sócio-espaciais. Trata-se de um problema de primeira linha que se impõe àqueles que têm a obrigação de gerir a cidade. E ainda assim, o autor não consegue responder à grande questão que ele próprio coloca: até onde poderemos chegar no controlo da metapolização?
[1] A metapole, esse território vago e heterogéneo, não tem, portanto, limites precisos. Na Metapole, o citadino move-se, e tudo se move em seu redor.
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