P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

21.1.06

A conservação biológica e a extinção das espécies

«Semelhantes e diferentes de nós ao mesmo tempo,
os animais são o único termo de comparação que
a natureza nos oferece para permitir que nos identifiquemos.»
F. Sigaut, 1994

«O homem ainda conserva na sua estrutura física o selo indelével da sua origem humilde.»
Charles Darwin, 1871

«O Homem é incomparavelmente mais rico quando considerado não como centro estático do mundo, como durante tanto tempo se admitiu, mas como eixo e flecha da Evolução.»
Teilhard de Chardin, 1925


«Portugal só será um país de primeira quando for um país ordenado
e bem regulamentado em tudo aquilo que tem a ver com o equilíbrio
entre o homem a natureza».
Durão Barroso, na sessão de apresentação do Programa Ambiental
"Finisterra - sobre a terra e sobre o mar", em Esposende (2003).



Segundo um estudo divulgado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), divulgado em Antananarivo, Madagáscar, existem 25 espécies de primatas em risco de extinção nos próximos 100 anos. As principais causas apresentadas no estudo foram a desflorestação que por todo o mundo vai ocorrendo e a captura de algumas espécies para uso culinário ou na medicina tradicional. Em risco, encontrarmos, entre outros, lémures, chimpanzés, gorilas, orangotangos, macacos aranha marron, micos leão de cara preta e o macaco preto de peito amarelo, alguns com origem nas florestas do Brasil. A lista apresenta espécies existentes em África, na América do Sul e na Ásia.
A comunidade política internacional tomou consciência desde cedo da necessidade de conservação e protecção dos habitats e espécies mais ameaçadas. Prova disso são as convenções internacionais que surgiram ainda na década de 70:

a) Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional (Convenção de Ramsar, 71)

A Convenção de Ramsar tem o objectivo de eliminar a progressiva invasão e perda de
zonas húmidas, áreas reguladoras dos regimes de água e habitats de flora e fauna características, especialmente de aves aquáticas – ecologicamente dependentes de zonas húmidas e que constituem um recurso internacional dado as suas migrações periódicas poderem atravessar fronteiras.
Ao aderir à Convenção, cada Parte terá que identificar pelo menos uma zona dentro do seu território, para constar da Lista de Zonas Húmidas de Importância Internacional (de seguida designada de Lista), de acordo com os requisitos estabelecidos pela própria Convenção, como as áreas de habitat de aves aquáticas. Qualquer Parte Contratante poderá adicionar à Lista outras zonas húmidas do seu território, alargar os limites ou, por motivo de interesse nacional urgente, anular ou reduzir os limites das zonas húmidas já incluídas na Lista (neste último caso deverá ser prevista uma compensação da perda de recursos da zona húmida).
As Partes Contratantes deverão, quando necessário, convocar conferências consultivas sobre a conservação de zonas húmidas e aves aquáticas, assim como elaborar e exercer os seus planos de modo a promover a conservação das zonas húmidas incluídas na Lista e a sua exploração racional.

b) Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (Convenção CITES, 1973)

A Convenção CITES tem como objectivo regular a comercialização (exportação) de espécies ameaçadas de extinção e de outras que possam vir a ser ameaçadas de extinção como consequência dessa comercialização. As Partes deverão tomar medidas adequadas para garantir a aplicação das disposições da presente Convenção, sugerindo-se a designação, por estas, de portos de saída e de portos de entrada, onde os espécimes devem ser apresentados.
De acordo com este documento, a exportação de espécies só poderá ser feita através do cumprimento de determinados aspectos, nomeadamente a apresentação de uma licença de exportação, cujas especificações encontram-se em anexo da Convenção (anexo IV).
Actualmente a Convenção protege mais de 27.000 espécies de animais e plantas, todas elas espécies raras ameaçadas de extinção ou cujos níveis de Comércio Internacional podem comprometer a sua sobrevivência.

c) Convenção sobre a Conservação de Espécies Migratórias Selvagens (Convenção de Bona, 1979)

Face à importância das espécies migratórias, esta Convenção foi estabelecida com o intuito de eliminar ou minimizar as espécies migratórias cujo estado de conservação é desfavorável. As partes deverão tomar as medidas necessárias para a conservação das espécies e dos seus habitats.
A Convenção lista em anexo as espécies ameaçadas (Anexo I) e as espécies migratórias, cujo estado de conservação é desfavorável e cuja conservação e gestão devam ser objecto de acordos internacionais (Anexo II). Cada acordo deverá assegurar o restabelecimento ou a manutenção das espécies migratórias em causa num estado de conservação favorável.

d) Convenção relativa à conservação da vida selvagem e dos habitats naturais da Europa (Convenção de Berna, 1979)

A Convenção de Berna reconhece que a flora e fauna selvagens constituem um património natural essencial na manutenção dos equilíbrios biológicos. Esta Convenção visa criar um equilíbrio entre os interesses de conservação e os interesses económicos e sociais.
As Partes Contratantes tomarão as medidas necessárias à conservação de espécies da flora e fauna selvagens (principalmente as listadas nos anexos I e II da presente Convenção, respectivamente) e dos seus habitats naturais, nomeadamente daqueles cuja conservação exige a cooperação de diversos Estados. A Convenção dá especial atenção às espécies ameaçadas de extinção e vulneráveis, incluindo as espécies migradoras.
As partes deverão proibir, consoante as necessidades, a detenção ou a comercialização de espécies contempladas nesta Convenção e informar a Comissão Permanente (criada no âmbito desta Convenção, de forma a assegurar o seu cumprimento) das espécies que beneficiem de protecção total no próprio território e que não figurem nos anexos da Convenção.
As Partes Contratantes comprometem-se a cooperar e a encorajar a reintrodução de espécies indígenas da flora e fauna selvagens, sempre que tal medida possa contribuir para a conservação de uma espécie ameaçada de extinção, de acordo com estudos prévios realizados. Muitos outros instrumentos foram criados posteriormente, ainda no âmbito da preservação da biodiversidade, dos quais se apresentam, de seguida, os mais significativos.

e) Estratégia Mundial para a Conservação

Em 1980, foi criada, pela UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza), a Estratégia Mundial para a Conservação, com vista a alertar a opinião pública mundial para o perigo das pressões exercidas sobre os sistemas biológicos mundiais e contribuindo para a elaboração de políticas sustentáveis como medidas para aliviar essas pressões. As três metas principais são:
1. Manter os processos ecológicos essenciais e os sistemas de suporte à vida;
2. Preservar a diversidade genética;
3. Assegurar a utilização sustentada de espécies e de ecossistemas.
f) Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD, 1992)

A redução de biodiversidade a nível internacional, a interdependência e as relações transfronteiriças estabelecidas entre diferentes espécies e ecossistemas motivaram a adopção da CBD. Esta Convenção reconhece a importância da diversidade biológica para a evolução e manutenção dos sistemas de suporte de vida no nosso planeta e do combate na origem das causas de redução ou perda dessa diversidade, como se constata dos seus objectivos fundamentais: a conservação da biodiversidade, a utilização sustentável do seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos, incentivando-se o intercâmbio de informação entre os vários países e a transferência apropriada de tecnologias relevantes. Cada Parte Contratante deverá desenvolver, no âmbito do artigo 6º da Convenção, estratégias, planos e programas nacionais, que tenham como finalidade alcançar os objectivos da presente Convenção, ou adaptar para esse fim os já existentes.
Cada Parte Contratante deverá ainda estabelecer um sistema de áreas (protegidas ou não) onde tenham que ser tomadas medidas para a conservação da diversidade biológica, incluindo a sua monitorização e a criação de dispositivos nacionais de resposta a situações de emergência relativas a actos
antropogénicos ou naturais que aparentem graves perigos para a biodiversidade.
A responsabilidade dos Estados de assegurarem que as actividades sob sua jurisdição não prejudicam o ambiente de áreas situadas fora da sua jurisdição é reconhecida também na CBD, devendo estes realizar previamente avaliações de impacte ambiental dos projectos que possam vir a ter efeitos adversos sobre a biodiversidade, com vista a evitá-los ou reduzi-los e, quando apropriado, permitindo a participação do público.
A Convenção estabeleceu o “mecanismo centro de intercâmbio” (Clearing-House Mechanism), de forma a assegurar o acesso partilhado de todas as partes à informação e às tecnologias necessárias para preservar a biodiversidade. Este mecanismo surge assim como veículo principal para o intercâmbio internacional de informações e tecnologias sobre a biodiversidade.

g) Estratégia pan-europeia da Diversidade Biológica e Paisagística (1995)

Esta estratégia foi criada com o intuito de encorajar a conservação das espécies, dos ecossistemas e dos processos naturais, em complementaridade com a promoção do desenvolvimento sustentável e da co-responsabilização de todos os sectores pela conservação da natureza. A Estratégia estabelece um sistema internacional de cooperação de forma a consolidar programas existentes ao nível da conservação, permitindo um uso mais eficiente das políticas, iniciativas, mecanismos e informação já existentes. Não é objectivo desta estratégia introduzir nova legislação ou programas, mas sim o de reforçar a implementação das medidas existentes e de identificar acções adicionais a realizar nas duas próximas décadas. Além disso, promove a integração da diversidade biológica e paisagística nos sectores sociais e económicos e a implementação europeia da CBD.

h) Protocolo de Biossegurança de Cartagena (2000)

De acordo com o
princípio da precaução, o objectivo deste Protocolo é o de assegurar um nível adequado de protecção ao nível da transferência, manuseamento e uso de organismos geneticamente modificados (OGM) que possam ter efeitos adversos na conservação e uso sustentável da diversidade biológica, assim como em termos de saúde humana, sendo focados especialmente os movimentos transfronteiriços.
Este Protocolo não se aplica ao movimento transfronteiriço de OGM que constituam produtos farmacêuticos para o Homem abrangidos por outros acordos internacionais.
Em termos dos movimentos transfronteiriços de OGM, a Parte exportadora deverá notificar ou requerer que o exportador assegure previamente uma notificação à autoridade nacional competente da Parte importadora, devendo a Parte exportadora assegurar a veracidade da informação providenciada pelo exportador. A Parte importadora deverá informar o notificador se o movimento transfronteiriço se poderá realizar ou não.
A Parte que tome a decisão final sobre o uso doméstico de um OGM que poderá ser sujeito a movimentos transfronteiriços para uso directo ou para processamento, deverá informar as Partes através do “Biosafety Clearing House”(parte integrante do “Clearing House Mechanism”). Este mecanismo visa facilitar a troca de informação científica, ambiental, técnica e legal sobre OGM e ajudar as partes a implementar o Protocolo supracitado. Cada Parte deverá promover também a participação pública. Cada Parte Contratante pode, a qualquer instante, rever e alterar a decisão relativamente a quaisquer movimentos transfronteiriços intencionais.
As partes deverão estabelecer e manter mecanismos apropriados com vista a regular, gerir e controlar riscos identificados nas análises de risco dos possíveis efeitos adversos do uso, manuseamento e movimento transfronteiriço de OGM ao nível da conservação e uso sustentável da biodiversidade e da saúde pública. As Partes serão também responsáveis por notificar outras Partes de “largadas” que possam conduzir a movimentos transfronteiriços não intencionais com efeitos adversos sobre a biodiversidade. A nível comunitário, a UE desenvolveu várias directivas, com o intuito de cumprir Convenções Internacionais por si ratificadas. É o caso da Directiva Habitats e da Directiva Aves.
A Directiva n.º 92/43/CE, de 21 de Maio, ou Directiva Habitats, surgiu com o objectivo de favorecer a manutenção da biodiversidade através da conservação e preservação dos habitats naturais, da fauna e flora selvagens, no território europeu dos estados-membros (EM), tomando simultaneamente em consideração as exigências económicas, sociais e culturais. Esta directiva foi alterada pela Directiva n.º 97/62/CE, de 27 de Outubro. A Directiva Habitats cria uma rede ecológica europeia, a
Rede Natura 2000, visando assegurar a sobrevivência, a longo prazo, das espécies e habitats mais ameaçados da Europa. Esta rede deverá ser constituída por ZEC (Zonas Especiais de Conservação) e integrando ZPE (Zonas de Protecção Especial), estas últimas instauradas pela Directiva n.º 79/409/CEE, de 2 de Abril – Directiva Aves. Actualmente, a Directiva Habitats e a Rede Natura 2000 são reconhecidas como os principais instrumentos da UE para realizar o objectivo mundial e europeu de suster o declínio da biodiversidade até 2010.
No entanto, para um grande número de espécies, o simples estabelecimento de um sistema de áreas protegidas não é suficiente ou adequado, pelo que a Comunidade Europeia elaborou uma estratégia comunitária para a biodiversidade, com vista a antecipar, prevenir e atacar na fonte as causas da grande redução ou perda da biodiversidade –
Estratégia da Comunidade Europeia em matéria de Diversidade Biológica. Esta estratégia pretende assegurar o cumprimento da CBD, através da identificação de falhas e melhoria da política comunitária de conservação e da integração da biodiversidade nas diversas políticas comunitárias (como na agrícola, na das pescas e na do turismo) e nos planos e programas sectoriais e intersectoriais de cada um dos EM. A Estratégia incide sobre quatro temas: conservação e utilização sustentável da biodiversidade; partilha dos benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos; investigação, identificação, monitorização e intercâmbio de informações; educação, formação e sensibilização do público. A Estratégia articula-se com o 6º Programa Comunitário de Acção em matéria de Ambiente, que define, como uma das suas prioridades, a conservação da natureza e da biodiversidade, pilar ambiental da Estratégia Europeia de Desenvolvimento Sustentável.
Portugal, apesar da sua reduzida dimensão, possui 43% da fauna de vertebrados terrestres existentes na União Europeia, é o quarto país europeu com maior número de
endemismos vegetais e é o terceiro em espécies ameaçadas.
A Lei de Bases do Ambiente (LBA), Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, aconselha a elaboração de legislação adequada à introdução de exemplares exóticos da flora e a adopção de medidas restritivas de controlo no âmbito da introdução de qualquer espécie animal selvagem. A LBA sugere ainda a elaboração de uma estratégia como instrumento da política do ambiente e do ordenamento do território, que pretende enquadrar as políticas globais do ambiente e promover a sua integração nas diferentes políticas sectoriais, em articulação com a estratégia europeia e mundial.
Nos últimos anos têm-se multiplicado as reuniões e estudos, com vista a atingir a meta de redução da perda de biodiversidade até 2010. Foi o caso da reunião internacional: "2010 – O Desafio da Biodiversidade Global", realizada em Londres em Maio de 2003, contando com cerca de 150 participantes, incluindo governos, entidades de investigação, comunidades indígenas, sectoriais e locais, ou da reunião entre os ministros do Ambiente da Europa e de vários países asiáticos, em Madrid em Janeiro de 2004. Na reunião de Madrid concordou-se em desenvolver áreas naturais protegidas, incluindo as marinhas. A rede de áreas protegidas terrestre deverá estar estabelecida em 2010 e a marinha em 2012. No entanto, os ambientalistas consideram que as propostas acordadas em Madrid não são suficientes – por exemplo, os países da União Europeia não se comprometeram de forma significativa a ajudar os países em desenvolvimento na criação de áreas protegidas.
Como notícia positiva, a BBC divulgou, em Janeiro de 2004, o resultado do último censo realizado à população de gorilas em três países da África Central (Ruanda, Uganda e República Democrática do Congo), evidenciando o crescimento do número destes animais em 17%, desde 1989, consequência dos programas de protecção lançados pelos parques nacionais destes três países. Mesmo assim, a BBC afirma que a população de gorilas ainda se encontra ameaçada, tendo o estudo identificado apenas 380 exemplares da espécie. Por sua vez, a população de tigres de Sunderbans (reserva natural no leste da Índia) é a mais estável do mundo, de acordo com os resultados do último censo realizado (Janeiro, 2004).
Em Janeiro de 2004, o Parlamento Europeu aprovou um relatório sobre a “crise da carne de animais selvagens”, especialmente face à ameaça que existe sobre os grandes símios, como o gorila ou o chimpanzé, da autoria de Proinsias de Rossa, eurodeputado irlandês. A carne destes animais, capturados intensivamente em locais como a bacia do Congo, tem sido transportada em quantidades massivas para venda na Europa.
Apesar da sobreexploração deste tipo de carne ocorrer um pouco por todo o mundo, o relatório concentra-se no que acontece em África, visto este problema ser aí mais significativo e melhor descrito pela literatura. O relatório solicita à Comissão Europeia que elabore uma Estratégia e Plano de Acção, a integrar no Plano de Acção da União Europeia para a Biodiversidade, de forma a reforçar as capacidades das autoridades responsáveis pela conservação das espécies e de aplicação de leis e medidas contra o tráfico ilegal, prevendo-se a atribuição de 10% dos fundos do Fundo Europeu do Desenvolvimento e do Regulamento ALA (Ásia e América Latina) para esses fins. O Parlamento defende também a aplicação de campanhas de informação e educação para que as comunidades locais possam tomar consciência do potencial económico da biodiversidade e da necessidade de preservar as espécies ameaçadas.
Em suma, quando exploramos desenfreadamente os recursos vivos, estamos a ameaçar a nossa própria sobrevivência. Apesar de se começar a definir uma consciência global sobre a importância da biodiversidade, acções concretas são necessárias e urgentes, de forma a legarmos um património biológico íntegro às gerações futuras, que têm o direito de usufruir das mesmas opções de desenvolvimento que as gerações actuais.

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