P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

30.3.06

O movimento perpétuo, o contacto incessante e a solidão encoberta

Na metrópole contemporânea, as pessoas demonstram uma extrema dificuldade em desenvolver afectividade e laços com os lugares que estão para além da própria casa. Isso tem implicações na falta de afeição, identidade e compromisso das pessoas na sua relação com a metrópole. É o que Ascher quer dizer quando refere a existência de estrangeiros entre estrangeiros, a aprender a viver juntos e simultaneamente sozinhos nas grandes metrópoles.

Esses próprios espaços são recompostos continuamente, dando-lhes novos contornos, fazendo advir novas configurações, o que definitivamente põe a cidade numa encruzilhada complexa com o urbano. Portanto, o citadino tem na cidade um quadro estável de integração, de segurança espacial e ontológica, e o futuro não é percepcionado nem sentido como uma expressão e imagem de angústia e de catástrofe. O homem da cidade vive pois intensamente, num universo de filiações comunitárias muito fortes, pautado por relações de sociabilidade e de solidariedade intensas, situação completamente diferente da vivenciada com a crescente implantação do processo de urbanização
[1].

A cidade apresenta-se sempre à observação imediata enquanto um reagrupamento de populações e actividades duravelmente estabilizadas sobre um território restrito. A proximidade física permite aos seres sociais entrar em relação, e favorece o desenvolvimento de novas relações. Na medida em que concentra num mesmo lugar um grande número destes processos cumulativos. É talvez por isso que por vezes acreditamos poder definir a cidade como o dispositivo mais apropriado às diversas relações de troca e de cooperação que se instauram entre os homens, e é em todo o caso no meio urbano por excelência que se estabelecem, se amplificam e desmultiplicam as interacções de todas as ordens que constituem o princípio da vida social.

Por tudo isto, não deixa de ser simultaneamente irónico e interessante pensarmos que no meio de tanta gente, engolidos por multidões em recintos públicos e privados, entre milhares de indivíduos diferentes e simultaneamente iguais, deixamos que toda a riqueza que esse número de pessoas e que essa diversidade propicia quer em termos de conhecimento mútuo, troca de informações e de situação estratégica para acções de solidariedade, deixamos todas estas possibilidades ao abandono por vias do anonimato, da indiferença forçada, e da própria anomia social. E desta forma, entre milhares de pessoas, sentados no meio do nosso ouro, morremos de fome, Midas eternos.

[1] Aliás, Jean Rémy e Lilianne Voyé, explicitam esse modo de estar quando referem que «se a industrialização pode (…) engendrar sentimentos de insegurança e fazer ler a rua como espaço perigoso, ela contribuiu também para multiplicar as situações de isolamento e de solidão, dissolvendo as filiações comunitárias que permitiram outrora a cada um contar com os outros.»

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