P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

30.3.06

Políticas e objectivos de actuação nas reformas do espaço urbano moderno

«Hoje em dia, a questão urbana tende a perfilar-se como
uma nova face da questão social destacada da questão operária,
como espaço das mutações mais sensíveis das políticas públicas e
como apelo a uma sociabilidade perdida. O mundo das periferias
não é redutível nem ao ghetto, nem ao das comunidades,
nem mesmo ao da dependência económica e social, articula
lógicas de acção próprias que podem indicar dimensões
essenciais de uma cultura popular heterogénea e frágil.»

François Dubet, Les Figures de la Ville et de la Banlieue



O que faz, então, com que uma cidade seja uma boa cidade? É óbvio que pode parecer uma questão sem sentido. As cidades são demasiado complicadas, escapam em demasia ao nosso controlo, e afectam demasiadas variações culturais, para permitirem uma resposta racional.

As cidades, tal como os continentes, são simplesmente enormes factos da natureza, aos quais temos de nos adaptar. Uma pessoa pode afirmar «gosto de Lisboa», mas todos sabemos que é simplesmente uma preferência trivial, baseada na experiência pessoal.

Mesmo os académicos e estudiosos do tema procuram acima de tudo dados e números, factos compreensíveis pela metodologia científica regulamentada, e muitas vezes esquecem a realidade dos fenómenos que são vividos por milhões de pessoas no espaço urbano.

Em Metapolis, o autor procura de alguma forma desmistificar as metrópoles do passado, mistificando as do presente e as do futuro, sem contudo propôr uma clara previsão do amanhã. A verdade é que tudo é incerto, e não há certezas absolutas de nada. Por isso, como estabelecer regras normativas específicas para uma realidade instável, em constante mutação, diferente e dinâmica no tempo e no espaço, nos edifícios, e nas pessoas? Não creio que Ascher satisfaça completamente esta urgência de respostas.

A cidade como lugar de realização humana, acima de tudo, como centralidade simbólica, parece uma fórmula do passado. É neste sentido que muitas das políticas urbanas, no momento presente, estão mais preocupadas com a qualificação plurifacetada do espaço urbano, ou mais concretamente, com o fazer cidade por toda a cidade. Indo mais longe, e a acentuar-se esta dicotomia, muitos questionam mesmo a própria cidade e os seus limites e, no extremo, a própria pertinência do termo. A questão é a de estarmos perante uma cidade ou várias cidades, ou perante nenhuma cidade.

Criar bons espaços públicos não significa reproduzir os antigos, ainda que com estes muito se possa aprender. Mais do que reunir todos os requisitos qualitativos para a sua espacialidade ou de que conseguir as «coisas» físicas que se desejam. Criar o espaço público é assimilar o mistério que envolve os seus múltiplos propósitos sociais, através de um desenho que caminhe de encontro aos objectivos públicos e das comunidades a (re) criar.

Assumindo que a vida pública está pujante na cidade contemporânea industrializada, o uso do espaço público constitui uma das medidas actuais mais importante para o seu êxito, se entendermos que a popularidade de um lugar em muito depende da relação entre a localização, desenho e pormenor, uso e significado. Por outras palavras, da construção do seu genius loci, onde lugar está longe de se confundir com o espaço físico residual ou a implantação do edificado, por vezes desprovido de significado, histórico, económico ético, social, psicológico, etc., que o qualificam a par da mudança, rumo a uma proposta pelos padrões de vida emergentes e pela nova arquitectura da cidade.

O espaço urbano, mais do que um suporte físico específico, representa uma modalidade de composição entre actividades e grupos, simultaneamente indutor e induzido, como exprimem as relações existentes entre a morfologia dos espaços e os aspectos sócio-económicos e afectivos da vida social. Por isso, julgo que quaisquer recomendações baseadas na investigação do espaço público urbano não podem substituir a participação pública directa para se proceder a eventuais acertos. Como diz Ascher: «para gerir um sistema mais complexo, é necessário operacionalizar uma organização menos vertical e mais descentralizada e, ao mesmo tempo, reforçar e tornar mais eficazes os instrumentos centralizados
[1]».

Como dizia Robert M. Pirsig em 1974: «se formos a reformar o mundo e transformá-lo num lugar melhor para viver, o ideal é não falar sobre relações de natureza politica, que são indubitavelmente dualísticas, cheias de sujeitos e objectos e suas relações recíprocas; ou com programas cheios de coisa para outras pessoas fazerem. Os valores sociais só serão correctos se também o forem os individuais. O lugar para melhorarmos o mundo começa em nossos corações e em nossas mãos, e depois, é trabalhar lá fora, a partir daí. Outros querem falar sobre como ampliar o destino da humanidade. Eu quero falar apenas sobre como consertar uma motocicleta. Creio que o tenho a dizer tem um valor mais douradoro.»

[1] O autor advoga a existência de uma governância metapolitana para que se possa alcançar este objectivo. No entanto, sobressai também no seu discurso algum pessimismo quando refere que para que a metapole se realize, é necessário minimizar disfunionalidades e limitar prejuízos.

Free Site Counter
Get a Free Site Counter
Escreva aqui o seu e-mail


Powered by FeedBlitz