P E R S P E C T I V A S

Para uma crítica do Conhecimento nas sociedades pós-modernas

17.6.10

O ego nacional num país das maravilhas

Nicolau Santos, Director - adjunto do Jornal Expresso, refere na revista "Exportar" que conhece um país que tem uma das mais baixas taxas de mortalidade mundial de recém-nascidos, melhor que a média da UE, um país onde tem sede uma empresa que é líder mundial de tecnologia de transformadores. Um país que é líder mundial na produção de feltros para chapéus, que tem uma empresa que inventa jogos para telemóveis e os vende no exterior para dezenas de mercados, que tem uma empresa que concebeu um sistema pelo qual você pode escolher, no seu telemóvel, a sala de cinema onde quer ir, o filme que quer ver e a cadeira onde se quer sentar. Um país que tem uma empresa que inventou um sistema biométrico de pagamento nas bombas de gasolina, que tem uma empresa que inventou uma bilha de gás muito leve que já ganhou prémios internacionais, um país que tem um dos melhores sistemas de Multibanco a nível mundial, permitindo operações inexistentes na Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos, um país que revolucionou o sistema financeiro e tem três Bancos nos cinco primeiros da Europa. Um país que está muito avançado na investigação e produção de energia através das ondas do mar e do vento. Um país que tem uma empresa que analisa o ADN de plantas e animais e envia os resultados para toda a UE, um país que desenvolveu sistemas de gestão inovadores de clientes e de stocks, dirigidos às PMES, que tem diversas empresas a trabalhar para a NASA e a Agência Espacial Europeia, que desenvolveu um sistema muito cómodo de passar nas portagens das auto-estradas, que inventou e produz um medicamento anti-epiléptico para o mercado mundial, que é líder mundial na produção de rolhas de cortiça. Um país que produz um vinho que em duas provas ibéricas superou vários dos melhore vinhos espanhóis, que inventou e desenvolveu o melhor sistema mundial de pagamento de pré-pagos para telemóveis, que construiu um conjunto de projectos hoteleiros de excelente qualidade pelo Mundo.
Diz ele que o leitor, possivelmente, não reconhece neste país aquele em que vive... Portugal. Mas afirma que tudo é verdade.Tudo o que leu acima foi feito por empresas fundadas por portugueses, desenvolvidas por portugueses, dirigidas por portugueses, com sede em Portugal, que funcionam com técnicos e trabalhadores portugueses. Chamam -se, por ordem, Efacec, Fepsa, Ydreams, Mobycomp, GALP, SIBS, BPI, BCP, Totta, BES, CGD, Stab Vida, Altitude Software, Out Systems, WeDo, Quinta do Monte d'Oiro, Brisa Space Services, Bial, Activespace Technologies, Deimos Engenharia, Lusospace, Skysoft, Portugal Telecom Inovação, Grupos Vila Galé, Amorim, Pestana, Porto Bay e BES Turismo.
E desenvolve, afirmando que há ainda grandes empresas multinacionais instalada no País, mas dirigidas por portugueses, com técnicos portugueses, de reconhecido sucesso junto das casas mãe, como a Siemens Portugal, Bosch, Vulcano, Alcatel, BP Portugal e a Mc Donalds (que desenvolveu e aperfeiçoou em Portugal um sistema que permite quantificar as refeições e tipo que são vendidas em cada e todos os estabelecimentos da cadeia em todo o mundo).

Explica Nicolau Santos que é este o País de sucesso em que vivemos, estatisticamente sempre na cauda da Europa, com péssimos índices na educação, e gravíssimos problemas no ambiente e na saúde...etc, mas que só falamos do País que está mal, daquele que não acompanhou o progresso, e que seria tempo de mostrarmos ao mundo os nossos sucessos e nos orgulharmos disso.

Bem, isso é de facto muito interessante, mas... falemos verdade.

O problema do nosso país, por mais optimistas que possamos ser, é que as coisas boas praticamente não têm expressão face à extensão e à gravidade de todos os problemas que afectam a vida de milhões de pessoas. Tentar fingir que existe muito sucesso e mérito onde mais não há do que casos pontuais de relativa satisfação para um número muito restrito de pessoas, é esconder a verdade. Por isso, o país retratado nessa crónica não é Portugal. Não é o Portugal que conhecemos. Não é o Portugal que retrata a sociedade portuguesa e os portugueses. Tanto assim é que a grande aposta do cronista é tentar despertar o maior espanto e surpresa possível junto do leitor, ao informar que existem empresas com sucesso em Portugal.

Ora, é precisamente na cristalização dessa intenção que reside a sua maior falha, pois ao partir do princípio que causará surpresa e espanto, assume, mesmo que inconscientemente, que aquele Portugal que quer representar não existe na vida real dos cidadãos. Ou seja, se não é perceptível, como invocar essa caracterização para ilustrar o país? Considero-me um realista crítico. Por isso, optimismo ou pessimismo mais não são para mim mais do que estados de espírito individuais que não se devem misturar na análise de factos sociais.

Relativamente às últimas notícias que tanto têm denegrido as instituições, empresas, órgãos de soberania, etc., aplico uma pequena metáfora: diz-se que basta uma peça de fruta podre num saco para estragar todas as outras. Imagine agora que não existe apenas uma, mas duas, três, enfim, que a maioria da taça está cheia de frutas podres. O que é que as outras fazem? Das duas uma: ou por magia curam as restantes (o que sabemos não ser possível), ou então não resta outra hipótese senão, após uma cuidada apreciação, retirar o que está podre para salvar as restantes.

Não sei se a ingenuidade do cronista é intencional ou se o objectivo do seu texto é realmente fazer-me sentir orgulhoso do país por causa das empresas que nele alcançam sucesso na sua área de negócios, que têm muitos lucros e que vendem muito (sem sabermos se à custa de empregos precários, falsos recibos verdes, salários mínimos, despedimentos de mão-de-obra para haver aumentos salariais para gestores, etc)..

Do ponto de vista do autor, até fico com a impressão que tudo isso é mais importante do que focar os nossos esforços em procurar conhecer os flagelos sociais para assim os podermos mitigar, construindo uma nova cultura de valores..

Quanto a mim, prefiro orgulhar-me da nossa história e da nossa capacidade de resistência num mundo pseudo-desenvolvido.

Empresas nascem, lucram e morrem.

É o país que fica.

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